tradução ao português por Paulo Rená

Terça-feira (01/03), Diego Dzodan, vice-presidente do Facebook para a América Latina, foi detido em sua casa em São Paulo pela Polícia Federal, escoltado para um instituto forense e, em seguida, levado ao Centro de Detenção Provisória de Pinheiros na capital paulista. Sua detenção foi ordenada pelo juiz Marcel Montalvão, que vinha exigindo dados pessoais do WhatsApp como parte de uma investigação relacionada a drogas no estado de Sergipe, no Nordeste do Brasil. A prisão vem depois de o juiz ter imposto ao WhatsApp, que é propriedade do Facebook, uma série de multas por se recusar a entregar informações à Justiça.

Davi Tangerino, advogado do WhatsApp, contou a repórteres o que disse à Justiça: o WhatsApp não pode fornecer o conteúdo das comunicações, porque a empresa não tem registro dessas comunicações. Isso pode se dever a razões tecnológicas — muitas comunicações do WhatsApp têm criptografia “ponta-a-ponta” (end-to-end). Também pode ser resultado das próprias políticas de registro da empresa: o WhatsApp diz que não faz registro permanente dos dados que a Justiça exige. Em ambos os casos, a Justiça está punindo um único funcionário pelas exigências impossíveis da própria Justiça.

Mesmo se o WhatsApp tivesse os dados, a Justiça brasileira não poderia esperar que a empresa os entregasse sem passar pelos canais oficiais. O Facebook, como todas as empresas sediadas nos Estados Unidos, também deve respeitar o direito de privacidade dos EUA. Isso inclui a “Lei de Privacidade das Comunicações Eletrônicas” (Electronic Communications Privacy Act) - ECPA, que proíbe as empresas de divulgarem conteúdo de comunicações sem um mandado emitido por um juiz dos EUA. O que a Justiça brasileira deveria fazer em tal situação? O Judiciário tem acesso a um processo legal internacional para obter tal mandado por meio do Acordo Brasil-EUA de Assistência Judiciária em Matéria Penal - MLAT. Procuradores de muitos países expressaram frustração com o processo do MLAT, que pode ser lento e exige que os tribunais não estadunidenses entendam e de forma convincente alcancem o padrão dos EUA de "causa provável" de suspeita necessário para a concessão de um mandado. No entanto, esse é o procedimento internacional acordado para permitir que os dados sejam entregues à aplicação da lei.

Há aqui um paralelo com o que está acontecendo nos Estados Unidos, no caso San Bernardino da Apple. Em ambos os casos, os promotores estão buscando dobrar à sua vontade precedentes, tecnologia e empresas de tecnologia na busca de alvos de destaque. Os juízes não podem esperar que as empresas quebrem as leis da matemática, nem retrospectivamente reescrevam integralmente seus programas na busca de objetivos do Ministério Público. E nem eles podem esperar que essas empresas adentrem deliberadamente paradoxos jurídicos, nos quais cumprir uma demanda judicial em um país que as levaria a violar a lei em outro.

Em face à resolução destas reivindicações impossíveis, aprisionar um executivo do Facebook não faz nada bem para o caso. Ele não pode nem entregar os dados de que a Justiça precisa, nem fugir dos acordos internacionais que o juiz rejeita.

Diego Dzodan foi libertado na manhã do dia seguinte, depois de outro juiz brasileiro reputar o seu encarceramento uma "coerção ilegal". Sua experiência se junta à longa lista de imposições aleatórias de penas de curta duração que o Judiciário do Brasil continua a lançar sobre empresas de tecnologia e seus usuários. Estas sanções arbitrárias não dão aos tribunais os dados que eles acreditam merecer, não respeitam as proteções técnicas de privacidade que amparam milhões de brasileiros inocentes, nem respeitam o devido processo legal internacional. Marcel Montalvão, na condição de juiz, deveria compreender que, embora a Justiça seja às vezes lenta, ela não pode ser feita através de atalhos, bullying e exigências impossíveis. Internautas do Brasil, e o sistema de Justiça do Brasil, merecem coisa melhor.

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