O que: Solicitação invasiva da polícia para que houvesse revelação de endereços de IP é desafiada com sucesso

Onde: Chile

Quem: ONG Derechos Digitales

Lições aprendidas

  • Estabeleça barreiras claras quando desafiar a vigilância excessiva.
  • Use o processo de educação da população como resposta às práticas de privacidade invasivas.
  • Formular a resposta para um caso pode prover orientação para o futuro.

A prática de vigilância

Em 2008, um web site chileno chamado Huelga.cl (“greve”, em português) foi abordado pelo Departamento de Crimes Cibernéticos da polícia chilena. O departamento de polícia exigia que o webmaster lhe entregasse dados relacionados às contas de usuários que utilizavam pseudônimos, tais como endereços IP, registros de conexões anteriores, nomes e endereços físicos. Os usuários em questão tinham deixado comentários no site sobre uma greve em andamento. Enquanto isso, a polícia acessou a seção “quem é” do banco de dados para determinar qual ISP hospedava o site Huelga.cl e, em seguida, pressionou também o ISP para obter informações.

O Huelga.cl é um espaço online para a coordenação de ações sindicais, mantido pelos estudantes de Direito da Universidade do Chile. Como a polícia não possuía ordem judicial para respaldar essa requisição de informações, o Huelga.cl marcou sua posição resistindo à pressão policial e se recusando a entregar os dados sem uma boa briga. Para isso, pediram o auxílio da Derechos Digitales, uma organização chilena sem fins lucrativos que promove os direitos humanos online, incluindo a liberdade de expressão e o direito à privacidade.

O Chile possui um sistema de retenção obrigatória de dados, que obriga os provedores de serviços de internet (ISPs) e empresas de telecomunicações a continuamente coletar e armazenar registros que documentam as atividades online de milhões de usuários que acessam a internet dentro de suas fronteiras. A maioria dos ISPs e operadoras de telecomunicações fornecem aos assinantes endereços IP que mudam periodicamente. Como o sistema chileno de retenção obrigatória de dados exige que os provedores de ISPs e telecom mantenham registros de alocações de endereços IP por um determinado período, a polícia pode exigir que esses provedores forneçam as informações para identificar indivíduos com base num determinado endereço IP que possuíam em certa data e hora, mas apenas no caso de crimes graves.

Para combater o pedido da polícia, o Huelga.cl uniu-se ao ISP local que hospedou seu conteúdo, pois os policiais estavam tentando obter informações de ambos simultaneamente. A Derechos Digitales auxiliou a ambos com seu apoio legal, pois percebeu que não era suficiente proteger o site sem proteger o ISP.

“Em nossa análise legal, observamos que a lei de retenção dos dados, em vigor desde 2003, requer que os ISPs coletem e armazenem os dados pessoais de seus usuários por um determinado prazo, a fim de usá-los para efeito da aplicação da lei – mas apenas em casos de crimes graves”, explica Alberto Cerda, então diretor de estudos da Derechos Digitales. “Entretanto, neste caso os policiais não tinham um mandado judicial específico exigindo que o Huelga.cl fornecesse tais dados. Além disso, a investigação em curso não estava relacionada a nenhum crime, mas a uma mera contravenção.”

Depois que a Derechos Digitales auxiliou o Huelga.cl e o ISP a rechaçar o problema, a polícia parou de procurá-los e nunca pediu uma ordem judicial contra as pessoas do Huelga.cl.

A campanha

“Nossa primeira abordagem foi contatar os policiais, pois pensamos que ignoravam o escopo de seus deveres neste caso”, observa Cerda. “Infelizmente, não foi suficiente. A polícia continuou procurando o administrador do site e pedindo informações. Isso nos obrigou a desafiar a medida perante as autoridades competentes.” Em julho de 2008, o Huelga.cl submeteu representações ao Tribunal Penal, ao Ministério Público local e às autoridades policiais simultaneamente. Como os mantenedores do site armazenam informações particulares sobre os usuários, afirmou a Derechos Digitales, os webmasters têm a responsabilidade de salvaguardar sua privacidade. A constituição chilena garante o direito à privacidade, que não pode ser arbitrariamente afetada nem pelo governo nem por agentes não estatais. Além disso, o código penal e a lei chilena de proteção de dados oferecem proteção contra violações abusivas do direito à privacidade.

Além de seu trabalho jurídico, a Derechos Digitales também espalhou a notícia através uma campanha de informações públicas. Isso incluiu preparar posts em blogs, falar em programas de rádio e buscar os meios de comunicação para aumentar a consciência sobre como é possível desafiar a polícia caso esta solicite informações sobre usuários de internet sem ordens judiciais.

A Derechos Digitales incentivou o Huelga.cl e seu ISP a apagar informações pessoais de seus usuários, particularmente os endereços IP, após um ano de retenção – o prazo mínimo estabelecido por lei. Depois que a polícia recuou permanentemente, o Huelga.cl emitiu uma declaração pública. “[A] consistência e convicção com as quais protegemos a privacidade da nossa comunidade de usuários ajudou a polícia a respeitar o processo legal, pôs em questão a justificativa real para as requisições de informação e reafirmou nosso compromisso com as pessoas que confiam em nosso site”, escreveram seus mantenedores. “Agradecemos à Derechos Digitales pelo apoio e assistência jurídica que nos ofereceram para manter a completa salvaguarda dos direitos fundamentais de nossos usuários.”                  

A estratégia

Com a assistência prestada à Huelga.cl, a Derechos Digitales percebeu que os argumentos, materiais e respostas que produziram para uma campanha poderiam ser usados novamente se surgisse um caso parecido. Certamente, demandas semelhantes no que se refere a crimes cibernéticos vieram à tona mais para frente. Mas uma vez tendo criado materiais informativos para o caso do Huelga.cl, uma resposta pronta já estava preparada para novas solicitações. “Você pode criar links para postagens anteriores e falar sobre o que está acontecendo", diz Francisco Vera, da Derechos Digitales.

 

Cerda observa que o caso também ilustrou a necessidade de educar os webmasters e ISPs sobre a importância da privacidade frente ao governo. “O caso foi relevante apenas porque o administrador percebeu a implicação do pedido da polícia”, disse ele. “Precisamos trabalhar mais para nos assegurar de que qualquer pessoa nesta posição e qualquer provedor de serviços de internet entende que pode se recusar a entregar informações sobre seus clientes/usuários mediante um simples pedido de policiais.” A esse respeito, as forças policiais também devem ser educadas para compreenderem a lei e utilizarem práticas jurídicas.

 

O caso do Huelga.cl também ilustra como diversos outros direitos fundamentais podem ser afetados por práticas de vigilância. Este pedido da polícia ameaçava impactar não somente a privacidade, mas também a liberdade de expressão, o direito à informação, o devido processo legal e os direitos dos trabalhadores.

 

Recursos

Derechos Digitales [ES]

http://www.derechosdigitales.org/

Huelga.cl resiste à pressão para entregar informações de usuários da diretoria trabalhista [ES]

http://www.derechosdigitales.org/2010/09/20/huelga-cl-resiste-presion-de-direccion-del-trabajo-por-entregar-informacion-de-usuarios/

Huelga.cl protege a privacidade de seus usuários [ES]

http://www.derechosdigitales.org/2010/07/10/huelga-cl-protege-la-privacidad-de-sus-usuarios/

Dados atuais da lei de proteção legal no Chile [ES]

http://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=141599

Lei de retenção de dados no Chile (Consulte artigo 222 do código de processo penal) [ES]

http://www.leychile.cl/Navegar?idNorma=17659