O que: Banco de dados de identificação biométrico é desmontado em face da oposição pública

Onde: Reino Unido

Quem: No2ID e filiais; Projeto de Identificação da London School of Economics

Lições aprendidas

  • A pesquisa extensiva pode lançar luz sobre um esquema de vigilância complexo.
  • Op-Eds em meios de comunicação locais podem ajudar a transmitir a mensagem.
  • É possível descontinuar um programa de vigilância após ter sido executado.

A proposta de vigilância

Quando o Ministério do Interior do Reino Unido anunciou os seus planos de implementar uma carteira de identidade biométrica, os defensores da privacidade ouviram soar um alarme – e as frentes de batalha se juntaram para uma campanha de oposição persistente que finalmente conquistou a vitória oito anos mais tarde.

Pelo esquema da nova identificação, cada residente legal adulto no Reino Unido teria um cartão emitido com um número original vinculado a dados biométricos. Os documentos de identificação seriam ligados a um Registro Nacional de Identidade, que consistiria de um banco de dados que armazenaria até 50 informações para cada indivíduo de forma centralizada. Como seria necessário que cada um fornecesse atualizações de seus dados e seriam feitos registros da utilização do cartão, a preocupação dos defensores da privacidade era que o esquema desse origem a uma espécie de “vigilância perpétua”, o que poderia minar a privacidade das pessoas e diminuir sua sensação de viver em uma sociedade livre.

A iniciativa de identificação biométrica do Reino Unido, um dos projetos mais ambiciosos de governo eletrônico jamais planejados, ameaçou impor uma nova infraestrutura de vigilância que não podia ser facilmente revertida uma vez em vigor.

A campanha

Apesar do ímpeto poderoso por trás do esquema de identificação e do fato de que 10 mil cartões já haviam sido emitidos, o projeto foi finalmente cancelado, arranhado pela polêmica. Logo após uma eleição nacional, o primeiro ato do governo recém instalado foi reverter a legislação que havia criado as carteiras de identidade, cancelando todos os cartões existentes. O governo, então, desmontou a base de dados completamente e depois triturou fisicamente o hardware do cadastro centralizado. Um acordo de coalizão entre o Partido Conservador e os Liberais Democratas, assinado em maio de 2010, acabou com o esquema, observando que o programa havia causado uma “uma erosão substancial de liberdades civis”.                              

Este sucesso foi alcançado após anos de esforço empreendido por muitos indivíduos, pesquisadores e organizações. Uma organização de defesa não-partidária e de bandeira única, chamada No2ID, foi formada em 2004. “Começou com uma reunião em um pub, como as melhores coisas na política britânica”, brinca James Baker, gerente de campanhas da No2ID.

A estratégia

A No2ID coordenou uma coalizão e trabalhou em conjunto com organizações como a Privacy International e outros, com mais de 60 grupos diferentes envolvidos no auge do esforço. “Nossa estratégia foi simples: atingir e envolver as pessoas que preferiam ir para a cadeia a ter uma carteira de identidade daquelas”, diz Phil Booth, que coordenou a campanha por vários anos. “Chegando até aquelas pessoas, sabíamos que podíamos atingir muitas que eram menos comprometidas e educar milhões. E se tivéssemos apenas uma meia dúzia, seríamos uma força a ser considerada.”

Para este fim, eles ajudaram a facilitar a criação de pequenos grupos locais que trabalharam para se opor ao esquema de identificação. “Eu sabia que tínhamos que enfrentar o problema de todos os ângulos. Então escrevemos um manual de como iniciar e coordenar um grupo local [...] e eu simplesmente saía e encontrava um monte de gente nos bares, com caixas de nosso folheto para deixar com alguém disposto a dar uma chance ao projeto”, diz Booth. “O trabalho do coordenador de um grupo local do grupo era certificar-se de que o argumento contra o esquema de identificação fosse absurdamente bem representado em sua área.”

Além de se dirigir à grande mídia, eles se voltaram também para veículos de comunicação menores. Escrever cartas para veículos locais e regionais provou-se uma tática eficiente, pois “as pessoas pareciam confiar mais em um amigo ou vizinho do que num assessor do governo” disse Baker.

Em maio de 2006, as estatísticas de Ministério do Interior sugeriam que de 30 mil a 40 mil pessoas haviam participado da campanha promovida pelo No2ID chamada “Renovar pela Liberdade”, na qual os cidadãos pagavam para renovar seus passaportes mais cedo e comprar o direito de não ter que se registrar para fazer a nova identificação por um período de 10 anos. Baseados no alcance combinado de nossos parceiros de ‘coalizão’ naquela época, calculamos que nosso plano de ação tenha atingido provavelmente de 7 a 9 milhões de pessoas – principalmente através do e-mail vindo de uma organização à qual elas já eram associadas (e não a No2ID). Àquela altura, as pesquisas de opinião mostravam que o apoio público havia caído de 80% a favor das carteiras de identidade para 50%.

Para compor o debate, construíram a campanha em torno do conceito de “estado do banco de dados” uma expressão cunhada pelo militante Guy Herbert, que apresentou o problema que ia além dos documentos em si. A vigilância em larga escala “torna-se um mecanismo de controle da sociedade”, afirma Baker. “Em pouco tempo, você tem uma sociedade onde as pessoas carecem de qualquer senso de liberdade pessoal.”

O projeto de pesquisa

Enquanto isso, uma equipe de pesquisadores da London School of Economics (LSE) examinou a fundo o esquema de identificação biométrica. O Projeto de Identificação da LSE – um esforço apartidário não relacionado a campanha nenhuma – realizou uma pesquisa extensiva e uma análise política coordenadas e orientadas por Simon Davies, Edgar A. Whitley e Gus Hosein, que agora é diretor-executivo da Privacy International.

Em 2005, o Projeto de Identificação da LSE publicou uma avaliação de 300 páginas das propostas para as novas carteiras de identidade. Suas descobertas destacaram os furos nos argumentos do governo que justificavam a proposta. Por exemplo, indicaram que os argumentos sobre o aumento dos custos causados por roubo de identidade eram infundados, além de salientarem que as “obrigações internacionais” que os funcionários de segurança afirmavam ter que satisfazer com a emissão das carteiras não eram obrigatórias para o Reino Unido.

Suas conclusões tiveram um peso evidente: em 56 dias de debate parlamentar sobre o sistema de identificação, a pesquisa da LSE foi mencionada mais de 200 vezes.

Whitley notou, numa apresentação sobre a pesquisa da LSE, que os pesquisadores foram impedidos de criar uma campanha sobre o assunto na mídia. “Embora estivéssemos envolvidos como observadores participativos”, diz ele, “não determinamos a natureza das intervenções e tivemos menos controle ainda sobre suas consequências. […] O propósito da nossa ação era simplesmente envolver os decisores políticos, especialistas e outros para dar-lhes informações para o debate.” Embora a LSE não desempenhasse o papel de ativista, suas conclusões foram inestimáveis para os adversários da legislação e da rede descentralizada de ativistas que trabalhou incansavelmente para defender o direito à privacidade.

Recursos [EN]

Projeto de Identificação da LSE

http://identityproject.lse.ac.uk/default.htm

No2ID

http://www.no2id.net/

Privacy International

https://www.privacyinternational.org/

Manual dos militantes da No2ID

http://www.no2id.net/downloads/print/no2idCampaignersHandbook.pdf